O que nos leva ao questionamento: o que vem ser um consumo qualificado de alguma coisa?Na verdade, tenho tido contato com as mais dispares visões a este respeito através dos canais de contato deste veículo. Os comentários e os emails que recebidos são, pode-se dizer, reveladores e intrigantes.
O Ponto central reincidente, e às vezes oculto, é a embriaguez, este monstro para uns, santo graal para outros. Em tempos de "politicamente correto" e de bafômetros, tivemos de revisar alguns conceitos.
O homem, em todos os tempos e culturas, sempre buscou a embriaguez. Entenda embriaguez como um estado alterado de consciência que transporta, liberta ou revela. Por isso, o consumo de substâncias exóticas está na raiz de tantas religiões.
Mas nem só com produtos exógenos o homem se embriaga. A paixão, o misticismo, a música e até o esforço físico, entr outras coisas, criam condições hormonais e neurais ainda não claramente explicadas, mas que produzem efeitos semelhantes. Estar embriagado de amor ou intoxicado de beleza é o que faz amantes e artistas de todas as eras serem quem são.
A vida humana tem sua dose variável de percalços, mistérios e sensibilidade distribuída de maneira desigual. Procuramos, cada um a nosso modo, encontrar conforto e respostas. O álcool, assim como quase tudo, pode ser bom ou não. Entre a embriaguez e a abstinência, há uma enorme paleta de temperança. E já dizia Buda, provavelmente um abstêmio, que a sabedoria está no caminho do meio. Mas este é, também, o caminho mais difícil. Pois não há entrega cega a uma verdade e sim, a eterna busca.
Isto talvez explique que receba ataques de lados extremos. Com alguma frequência, abstêmios convictos, quase sempre cristãos radicais, me acusam de ser um viciado corruptor de mentes.
Na outra ponta, há quem ataque por não ser um "bebum". Estes acreditam que somente pode escrever sobre bebida quem vive em eterna ressaca. Uma visão romantizada segundo qual só um Bukowski de plantão pode entender de fato a bebida (...)
O cego Tirésias, em As Bacantes, faz um elogio da deusa Deméter, a terra mãe, e de Dionísio, o deus do vinho e da embriaguez. Da combinação de seus poderes viriam o alimento e o conforto da alma. De fato, as entidades divinas ligadas ao vinho e ao êxtase, que formam uma longa linguagem- desde Shiva, passando por Osíris e Dionísio, até Baco, para falar apenas dos clássicos- sofrem uma lenta transformação e uma certa domesticação ou suavização. Nos cultos afro-brasileiros ou entre povos mais primitivos, o objetivo é o êxtase temporário, o transe. No cristianismo, o vinho é o símbolo esterelizado do sangue.
É curioso que o islamismo, das grandes religiões tardia, tenha abolido o álcool, mas tolerado o haxixe. Isto mostra a dependência da concepção religiosa em relação a alguma forma de conforto químico (...)
Das drogas sociais, o álcool é a que permite um consumo mais refinado e sofisticado. O tal consumo qualificado nada mais é do que encontrar seu equilíbrio pessoal em relação a bebida. Prestar mais atenção em aromas, sabores, harmonizações e, finalmente, no efeito inebriante. Sem falso moralismo e sem colocar a vida de ninguém em risco.
Por Maurício Tagliari.
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