Lançado em outrubro de 2010, este livro é recomendadissimo para amantes ou não das bebidas e principalmente aos apreciadores de vinhos.
O livro aborda o significado da bebida, seus efeitos, sua relação com o divino e
com a história das sociedades e discute a questão da abstinência, do
excesso e da temperança, que resultaram na procura de um ponto de
equilíbrio e moderação por meio de normas, regras, leis, pedagogias e
etiquetas sobre como beber adequadamente, também faz comparações entre diversas fontes filosóficas, médicas e
religiosas antigas e modernas.
O professor de história moderna da USP
Henrique Carneiro discute também a tensa questão da abstinência, do
excesso e da temperança, que resultaram na procura de um ponto de
equilíbrio e moderação por meio de normas, regras, leis, pedagogias e
etiquetas sobre como beber adequadamente.
Doutor em História Social e membro do Núcleo de Estudos
Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip), Carneiro também é autor da
"Pequena enciclopédia da história das drogas e bebidas e de Comida e
Sociedade: uma história da alimentação", da editora Campus, e de
"Filtros, mezinhas e triacas: as drogas no mundo moderno", "A Igreja, a
medicina e o amor: prédicas moralistas da época moderna em Portugal e no
Brasil", "Amores e sonhos da flora" e "Afrodisíacos e alucinógenos na
botânica e na farmácia", todos da Xamã Editora. Junto com o historiador
Renato Pinto Venancio, ele é organizador de "Álcool e Drogas na História
do Brasil", da editora Amameda, e com Beatriz Caiuby Labate, Sandra
Goulart, Maurício Fiore e Edward MacRae - seus colegas pesquisadores do
Neip - de "Drogas e Cultura: Novas Perspectivas", da Edufba.
Deixo aqui algumas perguntas feitas ao professor Henrique Carneiro pela revista Comunidade Segura, onde exclarece melhor alguns pontos tratados no livro:
Qual o principal objetivo do livro "Bebida, abstinência e temperança na história antiga e moderna"?
O principal objetivo do livro é inventariar um conjunto de atitudes
sobre o bom e o mau beber ao longo da história ocidental e tentar
recuperar noções de virtudes éticas, como a da temperança, como
instrumentos úteis para a autogestão das condutas de ingestões, não só
de bebidas, como também de alimentos, num sentido de evitar os riscos
vinculados a usos problemáticos, abusivos ou compulsivos e buscar uma
ética da autorresponsabilidade em relação aos padrões de consumo.
Qual o grau de importância cultural e econômica da bebida ao longo da História?
As bebidas têm uma importância de primeira grandeza de um ponto de
vista cultural e econômico. Sempre foram alguns dos mais importantes
produtos no comércio desde a Antiguidade até a época moderna. Ânforas
com vinho cruzavam o Mediterrâneo na época do Império Romano e o álcool
destilado tornou-se, desde o século XVII, um produto central no sistema
sul-atlântico, com o rum servindo, ao lado do tabaco e do açúcar, como
meio de escambo para o tráfico de escravos. Culturalmente, as bebidas
serviram de veículos centrais tanto para a cultura religiosa - de Baco a
Cristo - como para o lazer profano.
O livro é dividido em três partes: Antiguidade Clássica, Era Judaica, Cristã e Islâmica e Época Moderna. Por que essa divisão?
Esta divisão busca contemplar a época do paganismo clássico no
Ocidente, ou seja, a Grécia e Roma panteístas, o período de advento das
três grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo)
que possuem um tradição vinculada entre si e entre seus livros sagrados
e, finalmente, o momento de emergência da sociedade moderna, com suas
características de globalização e de revolução científica.
Através dos tempos, nas diversas culturas e religiões, e mesmo
dentro delas mesmas, as bebidas alcoólicas e seus efeitos são encarados
de formas diferentes, da sacralização ao veto completo. Poderia citar
alguns extremos?
As bebidas alcoólicas vão da sua divinização, dos cultos pagãos de
Dioniso/Baco ao uso litúrgico no judaísmo e cristianismo, a uma
condenação como principais fontes da tentação demoníaca ou dos prazeres
carnais, como ocorre entre os espartanos na Grécia antiga, no islamismo
ou numa parte expressiva do protestantismo contemporâneo que passou a
defender a proibição como meio para se obter uma sociedade totalmente
abstinente.
O que pode ser considerado temperança ou moderação? Existe alguma
sociedade, religião ou cultura que domine essa qualidade ou os excessos
estão invariavelmente presentes?
A moderação ou temperança tem sido um ideal ético, estético e
dietético de boa parte das tradições religiosas, filosóficas e médicas.
Seu ponto ideal é a equidistância dos extremos, sendo um deles o excesso
e o outro a carência. Assim, a abstinência também é um excesso.
Sua formulação vem dos filósofos clássicos como Platão e Aristóteles,
passa pelo Cristianismo e chega aos expoentes do Renascimento e da
Ilustração, compondo, assim, uma rica tradição que busca ordenar os
comportamentos de risco por meio da autoeducação dos cidadãos que devem
buscar os seus próprios limites num processo de autoaprendizado
espelhado pelo exemplo dos seus parceiros sociais.
As sociedades e culturas podem ajudar os indivíduos a se manter
próximos do ponto de equilíbrio? Normas, regras, leis e etiquetas têm se
mostrado eficazes?
Sim, as normas e etiquetas são, em geral, mais eficazes do que as
leis em relação a condutas pessoais e corporais, pois o consentimento
público é mais convincente do que a coerção estatal. De gregos a árabes,
de romanos a persas, os usos das bebidas foram regidos por normas
éticas, estéticas e médicas, mais do que por leis impositivas.
As sociedades posteriores à Revolução Industrial viram, entretanto,
um novo ordenador das condutas, que é o mercado e suas injunções, se
tornar o foco da incitação a um consumo excessivo de tudo, levando a
padrões desequilibrados que respondem a necessidades de lucro
amplificadas pela técnica insidiosa da propaganda. Nesse universo
capitalista, as mercadorias se apossam dos indivíduos, levando-os a uma
hipertrofia de consumos compulsivos que desafiam as regras e normas da
medicina, do equilíbrio e até mesmo do bom senso.