Entre meio a termos técnicos, em discutir ou encontrar aromas e sabores, o mundo das bebidas é bem mais amplo e curioso do que podemos imaginar. Segue abaixo a dica de um inusitado livro, ja lançado a alguns anos, mas uma ótima referência para aqueles iniciados ou iniciantes no tema das bebidas, comentado por Jerônimo Teixeira.
Nas primeiras linhas de História do Mundo em 6 Copos (tradução de Antônio Braga; Jorge Zahar; 240 páginas; 32,50 reais), o leitor é informado de que um ser humano pode sobreviver semanas sem comer, mas duraria apenas uns poucos dias sem líquidos. Esse fato fisiológico simples serve como um lembrete dramático da importância do tema do livro – as bebidas e sua influência na história.
O jornalista inglês Tom Standage, editor de tecnologia da revista The Economist, demonstra que a bebida é uma necessidade vital não apenas para o indivíduo, mas também para as civilizações. De acordo com sua argumentação, os seis copos anunciados no título – cerveja, vinho, destilados, café, chá e Coca-Cola – serviram de esteio econômico para impérios e ajudaram a moldar a cultura de sucessivas eras.
Sem a invenção dessas beberagens maravilhosas, o ser humano dificilmente teria deixado a vida de nômade para se fixar em aldeias, vilas, cidades. Aglomerações humanas tendem a contaminar as fontes de água pura. A cerveja foi um dos primeiros meios de contornar esse problema: o álcool produzido pela fermentação do cereal garantia que o líquido seria razoavelmente salubre.
A bebida era, além disso, uma fonte alternativa de calorias que não corria o risco de ser devorada por insetos ou bichos. Sumérios e egípcios estão entre os povos antigos que adotaram a cerveja como sua bebida preferencial. Um provérbio do Egito antigo rezava que, se um homem está contente, sua boca só pode estar cheia de cerveja. Os gregos preferiram o vinho e fizeram dessa bebida uma forma de distinção cultural. Seus banquetes tinham regras estritas para a diluição da bebida – tomar vinho puro era prática dos povos "bárbaros". O Império Romano herdou esse gosto pelo vinho, acrescentando um toque mais elitista a seu consumo: nas festas romanas, vinhos de diferentes qualidades eram servidos de acordo com a posição social de cada convidado.
A julgar pelo largo hiato cronológico no livro de Standage, a Idade Média foi um período de gargantas secas. É verdade que os árabes então se dedicaram a aprimorar métodos de destilação – mas foi só com a expansão colonial do século XVI que o conhaque, o uísque e principalmente o rum entraram na corrente sanguínea do comércio mundial. Fáceis de conservar, os destilados se prestavam para as grandes travessias marítimas. O rum chegou a ser usado como moeda para comprar os escravos africanos que, no Novo Mundo, plantariam cana para a produção de açúcar – e de mais rum.
Depois dessa vasta era alcoólica, 6 Copos conduz o leitor aos tempos racionalistas da cafeína, estimulante que se encontra no café, no chá e na Coca-Cola. Assim como os destilados, o café é uma herança árabe adotada com entusiasmo pela Europa.
Prestava-se à socialização e à troca de idéias: a partir do século XVII, os cafés de Londres e Paris criaram um ambiente democrático para as discussões de filósofos, cientistas e homens de negócios. Originário da China, o chá invadiria a Inglaterra no século seguinte para se tornar a bebida-símbolo do imperialismo britânico. A Coca-Cola herdou essa aura imperial: inventada por um farmacêutico charlatão de Atlanta, sul dos Estados Unidos, no fim do século XIX, acabaria se convertendo num estandarte do poderio econômico americano. É também a marca mais conhecida do planeta – ou seja, a mais globalizada das bebidas. A globalização, porém, não trouxe a uniformização pasteurizada que seus críticos mais apocalípticos temiam. O vinho, o chá e outras bebidas que conferiram identidade a impérios hoje extintos ainda freqüentam as mesas de todo o mundo. Nunca antes na história os copos foram tão ecléticos – e democráticos.
Fonte: Revista Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário